01/02/2007

Expressão

Às vezes, era pura música. Tudo que o prendia à realidade eram os sons. Parecia-lhe que se desvanecia junto com cada acorde, renascendo no próximo, num movimento constante.

Música o envolvia, música o seduzia, música era a única forma de se aproximar dele. Tudo o mais restava inútil. Seus sentidos todos concentrados nos sons e alheios ao resto do mundo. Uma espécie de autismo, uma compreensão limitada e, por outro lado, tão mais abrangente que a das pessoas ao seu redor.

Nessas horas, ou dias, tinha a sensação de não precisar de nada nem de ninguém. Pouco importava se dormia ou não, se havia comido ou se o telefone tocava. Importava-lhe somente os instrumentos e vozes que lhe chegavam como única ligação com a realidade. Eles o inebriavam como álcool. Neles navegava, boiava, mergulhava, como em águas tranqüilas e mornas.
Sua maior vontade, seu desejo íntimo e não revelado, nessas águas sonoras, era mergulhar até as profundezas, soltando todo o ar no trajeto, para jamais voltar à tona.