10/02/2009

O Último Baile de Garagem

Eu sempre achei que conhecia meu pai bem o suficiente para ter uma opinião extremamente concreta sobre ele. E ele achava o mesmo sobre mim. Mas quando o mundo dá voltas que te tiram um pouco da órbita fica difícil dizer que tudo continua igual quando você coloca os pés de volta ao chão.
Há alguns dias atrás eu estava levando minha vida numa rotina cheia de tarefas que envolviam trabalho e estudo na Inglaterra, me preparando para fazer o trabalho voluntário na África. Foi quando meu celular tocou e ví que era minha mãe quem chamava. Na mesma hora já tive um mal-pressentimento pois estando há 10 meses no Reino Unido minha mãe nunca havia me ligado no celular e eu sabia que ela só ligaria em caso de emergência. Por exemplo, morte. E não foi diferente do que eu esperava, ela me trouxe a notícia que meu pai havia falecido. Eu só respondi "Eu sei." mas na verdade não sei bem como eu sabia.

Passei dias seguintes sendo assombrado pelo céu e inferno, com flash-backs de várias situacões e o sentimento de mea-culpa me rondando o tempo todo. Claro que eu não podia fazer nada para evitar, mas certamente podia ter aproveitado melhor o tempo com meu pai.Eu e ele tivémos uma relacão extremamente complicada durante anos, especialmente durante minha adolescencia (Ô época difícil!). Ele não era tolerante e eu também não facilitava nem um pouco. Minha revolta pelo modo que ele vinha me tratando desde que vim ao mundo se virava contra ele e todos ao meu redor, com as palavras mais idiotas que um adolescente pode dizer. Mas felizmente as pessoas crescem e num belo dia se tornam adultas. E quando certas circunstâncias levam à situacões de união por um bem maior, a aproximidade se torna inevitável.

Quando retornei do meu período de "vou crescer lá fora" terminou, em Maio de 2004, pudemos nos conhecer melhor. Meu pai se tornou o tipo de cara que se torna meu amigo. E conforme fui conhecendo-o melhor fui entendendo muitas coisas do passado.

Meu pai era roqueiro, sempre foi. Tocou em banda de rock nos anos 60 e durante os anos 70 e 80 continuou tocando com os mesmos amigos, apenas por diversão. Adorava rock progressivo e psicodelico. Entendi que sua frustracão por nunca ter se tornando um músico profissional se virou contra ele mesmo. Entendi que pelo fato de querer ser alguem desapegado às coisas materiais e possuir nada além de liberdade também se tornou uma frustracão ao se ver tendo em suas mãos uma família para tomar conta. E isso foi descarregado em mim e meu irmao por muito tempo.

Mas a influencias de tudo ao seu redor te obrigam a tomar caminhos incertos e o destino é sempre aquele momento que você se dá conta do que aconteceu, entende o porquê.

Desde que deixei meu país por um tempo, em Abril de 2008 eu vinha buscando meios de deixar meu pai contente. Fui no concerto de um guitarrista que ele adorava apenas para pegar o autógrafo para ele. Comprei um livro do John Lennon para ele e antes que eu pudesse enviá-lo, ele resolveu deixar este mundo.

Naquela noite do dia em que minha mäe me ligou eu pedi á qualquer coisa maior do que eu que permitisse que eu me despedisse do meu pai enquanto eu dormia. Não sei se isso aconteceu ou não mas de certa forma depois disto me senti mais tranquilo.

Agora me resta as memórias... E a cada vez que vou me deitar ler mais algumas páginas do livro que comprei para ele e nunca pude enviar. De relance, bato o olho no que escrevi para ele na contra-capa do livro:


"Pai, por todo lado há música e isto me faz lembrar de você a todo momento.
Assim como John te inspirou você me inspira.
Seu filho, Julian"

Um comentário:

  1. posso sentir em suas palavras que ele foi um grande homem.. assim como vc está construindo sua vida pra ser!!

    Não há melhor influência...

    =)

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