13/08/2009

Into the Heart

    Quando eu era criança meus pais viviam me dizendo que eu cheguei até eles numa espaçonave, vinda de outro planeta. Por muitos anos eu acreditei nisto, na verdade ainda não consigo deixar de desacreditar nisto. Passei boa parte da minha infância olhando as estrelas. Lembro da minha esperança de alguém vir de uma destas estrelas, pousar sob meu quintal e me dizer que há muito mais além daquela cidadezinha interiorana paulista. Torcia para me levarem para uma volta em seu disco voador. Me levarem até a lua para eu tocar aquela bola de queijo com minhas próprias mãos. Descobrir se afinal ela é amarela ou branca. Quando viajava de carro a noite, sempre buscava a lua, procurava observá-la para poder identificar suas imperfeições, fascinado.
    Não consigo me lembrar bem das minhas primeiras memórias, mas lembro de viver numa casa perto de um cemitério, lembro que havia um limoeiro no quintal. Lembro que a vizinha era amiga da minha mãe. Lembro que meu pai trabalhava numa fábrica de cerveja, a mais famosa do país naquela época. Lembro como todos na cidade se orgulhavam por termos aquela fábrica em nossa cidade. Tenho poucas lembranças do meu pai nesta época, talvez porque ele saia para o trabalho logo cedo e voltava quase na minha hora de dormir e aos finais de semana preferia estar com seus amigos de infância. Lembro que eu e meu irmão gostávamos de Comandos em Ação, que 15 anos mais tarde descobri que era o mesmo que G.I. Joe. Lembro o quanto ficamos felizes quando ganhamos os bonecos dos personagens com a tinta militar de pintar o rosto que acompanhavam os bonecos. Alguma tia ou prima do meu pai vinda de São Paulo, que nos deu. Meus pais jamais poderiam pagar tais brinquedos.
    Lembro o quanto nos mudamos em 9 anos, dentro da mesma pequena cidade. Lembro que percebi que minha família era um pouco diferente das outras em algum ponto da minha infância. Talvez pelo fato de recebermos visitas não vivas constantemente, ou pelo fato de apesar de sermos 4 pessoas, na verdade éramos mais, apenas não eram visíveis. Ou poderia ainda ser pelo fato do meu pai um dia ter construído uma antena para transmitir nossa televisão para seres extraterrestres. O vizinho perguntou se aquilo era uma antena para ET, mas pobre homem, mal sabia ele que era verdade.
    Vamos ser sinceros, meu pai nunca foi muito fã de crianças. Ele não tinha um pingo de paciência e apesar de não assumir, o que ele queria naquela época era ainda ser solteiro e aproveitar as aventuras que a vida podia oferecer. Posteriormente descobri o porquê daquilo tudo. Ele ainda tentava aproveitar, mas sem saber que estava cometendo um grande erro que ecoaria pelo resto da vida dele, através da minha mãe, do meu irmão e eu.
    Eu fui uma criança quieta e lá pelos inícios da minha memória até os 9 anos tenho lembranças um pouco estranhas. Não consigo lembrar muito do meu irmão. Será que passamos os primeiros 10 anos de nossas vidas separados, de alguma forma? Lembro da TV, isso sim, de todas as manhãs estar em frente a TV assistindo desenhos e vendo aquilo expandir minha imaginação de uma forma que refletiria pelo resto da minha vida. A TV criou um mundo na minha mente, meu próprio mundo onde as regras fugiam às convencionais e onde o comportamento humano era muito mais profundo do que a real. A única desvantagem era que eu era o único habitante daquele mundo próprio.

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