E
lá estava eu pronto para mais um dia. Era ainda cedo porém o sol já queimava
sob toda a África e invadia a janela do meu quarto. Tomei uma xícara de café,
peguei meu material e abri a porta da frente da casa. Eu já podia ver as
crianças todas na escolinha, a cerca de 50 metros da minha casa. Elas
provavelmente tinham uma visão melhor que a minha pois de súbito já começavam a
gritar “Titio! Titio!”.
Aquela
escolinha era de propriedade nossa, Instrutores de Desenvolvimento. Cada um de
nós fez um up-grade nela usando nosso próprio dinheiro já que a ONG insistia em
ignorar a existência da escolinha e das crianças.
Fui
andando em direção à escolinha porém as crianças não esperavam! Corriam em
minha direção e me acompanhavam segurando minhas mãos. Disputavam e brigavam
para ver quem seguraria minhas mãos e as que não conseguiam simplesmente
seguravam na barra da minha bermuda.
Nos primeiros três dias sozinho com as crianças eu mal sabia o que fazer. Não tinha experiência nenhuma com crianças tão pequenas. Algumas mal sabiam andar direito ainda. Porém com o tempo comecei a ter tanto carinho por ela que sentia como se fossem meus filhos!
E como todo pai (mas nenhum assume) eu tinha um favorito. Era um pequenino que não largava da minha perna. Ele devia ter menos de três anos. Infelizmente não me lembro do seu nome, mas você pode vê-lo no início e final do vídeo abaixo. Segurando minha perna, como sempre.
Nos primeiros três dias sozinho com as crianças eu mal sabia o que fazer. Não tinha experiência nenhuma com crianças tão pequenas. Algumas mal sabiam andar direito ainda. Porém com o tempo comecei a ter tanto carinho por ela que sentia como se fossem meus filhos!
E como todo pai (mas nenhum assume) eu tinha um favorito. Era um pequenino que não largava da minha perna. Ele devia ter menos de três anos. Infelizmente não me lembro do seu nome, mas você pode vê-lo no início e final do vídeo abaixo. Segurando minha perna, como sempre.
Esse garotinho era um santo. Não chorava, aliás mal falava (o que era bom já que eu não entendia o idioma deles, Emakuwa), tinha cara de dó e era muito bonzinho. Eu ficava na frente da “sala” explicando a matéria e ele insistia em ficar lá na frente, comigo. E na hora de ir embora seria de se supor que ele choraria e não iria querer ir embora, mas pelo contrário: me dava tchau dizendo “Tatá” (significa “oi” e “tchau” em Emakuwa) e pegava seu rumo, de mão dadas com alguma criança maior. Quem ficava triste era eu!
Na aldeia de Bilibiza, no sudoeste africano, as crianças viviam em condições de partir o coração de qualquer um. As condições de higiene eram propícias para se contrair uma doença a qualquer momento. Alguns deles já não tinham pais, não tinham acesso à água limpa ou comida com nutrientes suficientes. Eu tinha mais medicamentos na minha casa do que o hospital de Bilibiza. O hospital só tinha um médico e duas enfermeiras. As pessoas esperavam horas na fila e não havia sequer Paracetamol. Que dirá algum remédio para tratar a Malária. Nem pensar. As crianças as vezes chegavam na escolinha com a cara muito suja e por isso eu sempre andava com um rolo de lenço no bolso. Um dia o pequenino chegou com o nariz escorrendo, a cara suja e a cabeça vermelha de terra. Provavelmente havia tropeçado e caído no caminho. Eu deixei as crianças brincando e enquanto isso o levei para minha casa. Lavei a cabeça e o rosto dele e o fiz assuar o nariz para limpar. Resolvi dar para ele um brinquedo de Kinder Ovo, que eu tinha num pote. Ele adorou mas foi um erro meu pois assim que retornamos à escolinha todas as outras crianças viram o brinquedo e queriam um também.
Pouco
antes da minha partida de Bilibiza, 4 meses depois, eu já sentia pela perda
daquelas crianças e do pequenino. Eu queria que elas jamais se esquecessem de
mim. No dia da minha despedida comprei suco, pirulitos e montei um daqueles
saquinhos de festa de aniversário com o pirulito, balas e um brinquedo de Kinder
Ovo dentro. O pequenino não estava lá. Pela tarde fui à aldeia saber sobre ele.
Perguntei para as pessoas e me deram direções até onde ele vivia. Cheguei lá
com algumas sacolas com arroz, legumes, farinha de mandioca e uma galinha
(viva). Encontrei a mãe na parte de trás da casa, ela preparava pão. Apresentei-me
e ela não entendeu uma só palavra. Nisso eu já estava rodeado de crianças
curiosas. Entreguei o presente a ela e falei que era o “titio” e perguntei pelo
nome de seu filho. Duas das crianças foram buscá-la. Voltaram com o pequenino e
ele parecia muito contente em me ver, mas tímido. Sentei-me no chão e mostrei a
câmera fotográfica para as crianças e elas abriram um sorriso enorme, pois
adoravam ver coisas tecnológicas. Mostrei meu MP3 para meu pequeno aluno e logo
ele se debruçou sob mim se rendendo à curiosidade. Mostrei para ele algumas
músicas e sons do aparelho e ele parecia muito feliz. Tirei algumas fotos (que
perdi depois) e disse que ia embora. Aí sim ele se pôs
a chorar muito. As outras crianças tiveram que segurá-lo enquanto eu partia
(diga-se de passagem, também chorando).
Foi um dia triste, mas inesquecível. Encontrei
meu assistente pelo caminho de volta. Ele me auxiliava na escolinha trazendo as
crianças todas as manhãs e traduzindo o que eu precisasse falar para elas. Ele
viu minha tristeza e me disse que aquelas crianças nunca iriam se esquecer de
mim. Aquilo me deixou muito emocionado. Todo o caminho que percorri nos últimos
anos se resumia àquele momento. Eu queria muito ir para a África para fazer a
diferença na vida de algumas crianças. Eu queria trabalhar com crianças. Eu
precisava daquele desafio e considero que venci. Aquele menino era para mim o
símbolo do meu aprendizado com toda aquela experiência. Eu aprendi mais com ele
do que ele comigo.
E a jornada continua, sempre....
"Into the heart of a child
I stay a while
I stay a while
But I can go there.
Into the heart of a child
I can smile
I can go there.
Into the heart, into the heart of a child
I can go back
I can stay awhile.
Into the heart."
Into the Heart - U2 (1981)
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